quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Calabar em foco


A peça de Chico Buarque e Ruy
Guerra vem discutir, por meio de
analogias, o tema da traição e como este é
apropriado e redefinido. Ao narrar um
acontecimento histórico ocorrido no século
XVII, os autores estabelecem um diálogo
entre passado e presente.
Enquanto documento histórico, a
obra de arte é um legado do passado,
sendo a alegoria uma alternativa, uma
oportunidade de dizer aquilo que o Estado
não permite em determinados períodos.
Nesse sentido, procuramos, a partir de
uma leitura da alegoria, investigar os
elementos tencionais que deram origem a
Calabar, aparentemente suprimidos, a fim
de decifrar os rastros e as impressões
deixadas pelo processo de supressão.
Nesse caso, a alegoria é caracterizada
principalmente pela sua alteridade: todo
significado numa obra de arte tende a
tornar-se um significante de novos
significados. Do ponto de vista histórico, a
idéia e a sua representação podem ser
também socialmente localizadas. Dessa
forma, tanto a formulação quanto a
interpretação da alegoria são partes do
processo de descoberta do seu sentido, ou
seja, são complementares. Sendo tratada
no âmbito da metáfora a alegoria é de
acordo com René Khote2, um tropo de
pensamento, uma ampliação da metáfora.
Nesse aspecto, a relação passado-presente
é sugerida várias vezes durante a peça a
fim de que o leitor/espectador se
identifique tanto com a matéria referida
mais diretamente, no caso o acontecimento
da possível traição de Calabar no século
XVII, quanto com o tema relacionado a
ela, as questões colocadas no início dos
anos 1970, a partir da ditadura militar.3
Posto isso, pode-se questionar a
respeito do discurso histórico construído
acerca da presença holandesa no Brasil.

Calabar - o elogio da traição que serviu de
fonte para a elaboração do texto dramático,
sendo utilizados, na peça, trechos inteiros
de alguns destes escritos em um
surpreendente trabalho de colagem.
Nestes escritos são narrados não
apenas a presença holandesa no Brasil,
mas o papel de Calabar. Muitas linhas têm
sido dedicadas à compreensão e
interpretação desse período da história
brasileira, algumas no intuito de explicar,
atacar ou defender as atitudes de Calabar.
Nas narrativas oficiais brasileiras, em
meio a vários heróis, o mestiço recebeu o
papel de vilão. Uma verdadeira babel
discursiva tem sido erguida em torno de
sua figura, procurando
desvendar/construir a significação de seus
atos: Por que ele, após ter lutado
bravamente no exército luso-espanhol,
passou para o lado holandês? Alguns o
viram como um idealista que sonhou com
a implantação de uma sociedade
renascentista no nordeste brasileiro
graças à colonização holandesa (...).
Porém a maior parte dos que falaram a
seu respeito, tomaram -no por traidor da
pátria.
Conclui-se, portanto, que o gesto de Calabar foi considerado por muitos historiadores comotraição ao Brasil, mas tal julgamento é objeto de controvérsias. Afinal, a que Brasil traiu Calabar? Ao Brasil que antes pertencia a Portugal e que, nesse momento, encontrava-se sob o domínio espanhol? Épreciso questionar qual o conceito de traição utilizado por tais historiadores.

E qual é a versão utilizada pelos
dramaturgos Chico Buarque e Ruy Guerra?
Os autores utilizam-se, como afirmado
anteriormente, da técnica de colagem, onde
os textos históricos foram recortados e
remontados conferindo-lhes novos
significados. Calabar funciona como uma
paródia4 onde vozes excluídas do discurso
histórico ganham vida, como, por exemplo,
a mulata Bárbara e a prostituta Anna de
Amsterdã [que] são colocadas no mesmo
plano que o fidalgo Mathias de
Albuquerque, o frei Manoel do Salvador
ou o conde Maurício de Nassau. Enquanto
os textos históricos somente registraram a
visão de mundo e as vozes dos poderosos,
“Calabar” carnavaliza tais textos,
deixando falar a esquecida viúva de
Calabar e a incômoda prostituta
holandesa.
Desta forma, vozes que ficaram
caladas ou esquecidas pela “factualidade
do discurso histórico” ressurgem pela
“ficcionalidade do discurso literário
dos autores, negando
a posse de uma verdade absoluta conferida
a alguns personagens pela “história dita
oficial”. Buarque e Guerra questionam,
portanto, o mito de “Calabar-traidor” e o
poder do discurso histórico que constrói
esses mitos.

SALÁRIO, PREÇO E LUCRO

"[...]

É inteiramente certo que a classe operária, considerada em. conjunto, gasta e será forçosamente obrigada a gastar a tua receita em artigos de primeira necessidade. Uma alta geral na taxa de salários provocaria, portanto, um aumento da procura de artigos de primeira necessidade e, consequentemente, um aumento de seus preços no mercado. Os capitalistas que produzem estes artigos de primeira necessidade compensariam o aumento de salários por meio da alta dos preços dessas mercadorias. Mas que sucederia com os demais capitalistas que não produzem artigos de primeira necessidade? E podeis estar certos que o seu número não é pequeno. Se levardes em conta que duas terças partes da produção nacional são consumidas por um quinto da população - um deputado da Câmara dos Comuns declarou, recentemente, que tais consumidores constituem apenas a sétima parte da população -, podereis imaginar que enorme parcela da produção nacional se destina a objetos de luxo, ou a ser trocada por objetos de luxo, e que imensa quantidade de artigos de primeira necessidade se desperdiça em criadagem, cavalos, gaios, etc., esbanjamento esse que, como nos ensina a experiência, diminui cada vez mais, com a elevação dos preços dos artigos de primeira necessidade.
Pois bem, qual seria a situação desses capitalistas que não produzem artigos de primeira necessidade? Não poderiam compensar a queda na taxa de lucro, após a alta geral de salários, elevando os preços de suas mercadorias, visto que a procura destas não teria aumentado. A sua renda diminuiria; e com esta renda diminuída teriam de pagar mais pela mesma quantidade de artigos de primeira necessidade. que subiriam de preço. Mas a coisa não pararia ai. Diminuída a sua renda, menos teriam para gastar em artigos de luxo, com o que também se reduziria a procura recíproca de suas respectivas mercadorias. E como conseqüência desta diminuição da procura, cairiam os preços das suas mercadorias. Portanto, nestes ramos da indústria, a taxa de lucros cairia, não sã em proporção simplesmente ao aumento geral da taxa de salários, como, também, essa queda seria proporcional à ação conjunta da alta geral de salários, do aumento de preços dos artigos de primeira necessidade e da baixa de preços dos artigos de luxo.
Qual seria a conseqüência desta diferença entre as taxas de lucro dos capitais colocados nos diversos ramos da indústria? Ora, a mesma que se produz sempre que, seja qual for a causa, se verificam diferenças nas taxas médias de lucro dos diversos ramos da
produção. O capital e o trabalho se deslocariam dos ramos menos remunerativos para os que o fossem. mais; e este processo de deslocamento iria durar até que a oferta em um ramo industrial aumentasse a ponto de se nivelar com a maior procura e nos demais ramos industrial diminuísse proporcionalmente à menor procura. Uma vez operada esta mudança, a taxa geral de lucro voltaria a igualar-se nos diferentes ramos da indústria. Como todo esse desarranjo obedecia originalmente a uma simples mudança na relação entre a oferta e a procura de diversas mercadorias, cessando a causa, cessariam também os efeitos, e os preços voltariam ao seu antigo nível e ao antigo equilíbrio. A redução da taxa de lucro, por efeito dos aumentos de salários, em vez de limitar-se a uns quantos ramos da indústria, tornar-se-ia geral. Segundo a suposição de que partimos, nenhuma alteração ocorreria nas forças produtivas do trabalho, nem no volume global da produção, sendo que aquele volume dado de produção apenas teria mudado de forma. Uma maior parte do volume de produção estaria representada por artigos de primeira necessidade, ao passo que diminuiria a parte dos artigos de luxo, ou, o que vem a ser o mesmo, diminuiria a parte destinada à troca por artigos de luxo importados do estrangeiro e consumida desta forma; ou, o que ainda é o mesmo, em outros termos, uma parte maior da produção nacional seria trocada por artigos importados de primeira necessidade, em lugar de ser trocada por artigos de luxo. Isto quer dizer que, depois de transtornar temporariamente os preços do mercado, a alta geral da taxa de salários só conduziria a uma baixa geral da taxa de lucro, sem introduzir nenhuma alteração permanente nos preços das mercadorias.

[...]


Chegamos, assim, a um dilema: ou o incremento dos salários se gasta por igual em todos os artigos de consumo, caso em que o aumento da procura por parte da classe operária tem que ser compensado pela diminuição da procura por parte da classe capitalista; ou o incremento dos salários só se gasta em determinados artigos cujos preços no mercado aumentarão temporariamente. Neste caso, a conseqüente elevação da taxa de lucro em alguns ramos da indústria e a conseqüente baixa da taxa de lucro em outros provocarão uma mudança na distribuição do capital e do trabalho, que persiste até que a oferta se tenha ajustado à maior procura em alguns ramos da indústria e à menor procura nos outros.

[...] "


K. Marx.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

O Imperativo Categórico

Immanuel Kant, A Metafísica da Moral (1797)
"Existe... só um imperativo categórico, que é este: Age somente, segundo uma máxima tal, que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal."
O Imperativo Categórico é um dos principais paradigmas da filosofia de Kant.' Sua ética e moral terão por base este preceito. Para este filósofo alemão imperativo categórico vem a ser o dever de agir na conformidade dos princípios que se quer sejam aplicados por todos os seres humanos.
Carece atentar-se, também, para o Imperativo Universal ("Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, por tua vontade, lei universal da natureza."), assim como para o Imperativo Prático ("Age de tal modo que possas usar a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre como um fim ao mesmo tempo e nunca apenas como um meio.").
Por que "imperativo categórico"?
Imperativo, porque é um dever moral.
Categórico, porque atinge a todos, sem exceção.

Ao introduzir a ética em sua obra filosófica, Kant fez surgir uma nova versão da antiga Regra de Ouro, aquela regra ditada pelos grandes Mestres da humanidade: "Faça para os outros o que você gostaria que fizessem a você."
Kant ampliou a regra para algo assim: "Faça para os outros o que gostaria que todos fizessem para todos."
Com isso, Kant queria evitar o problema das diferentes idéias que cada pessoa tem sobre o que gostaria que se fizesse a elas. Queria enfrentar o "relativismo moral", essa moralidade circunstancial tão generalizada hoje em dia: a noção de que o que é certo depende da situação ou do contexto.
Ele não concordava com a doutrina do utilitarismo, ou seja, a de que "os fins justificam os meios". Como podemos nortear nossas ações com base nos resultados, se até mesmo os planos mais bem traçados podem ser desvirtuados? O resultado do que fazemos, muitas vezes, não é absolutamente o que pretendíamos, portanto é um desvirtuamento moral basear nossos julgamentos nos resultados.
Então, como agir com segurança? Segundo Kant, se quisermos ser objetivos, temos que agir, não segundo os fins, mas segundo princípios universais e não em regras circunstanciais.
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Ampliando o campo da análise da moral Kantina vamos à compreenção de um trecho de Marilena Chauí em Convite á Filosofia, que aborda de forma simples e objetiva a questão da moral e ética.

"Se examinarmos o pensamento filosófico dos antigos, veremos que nele a ética
afirma três grandes princípios da vida moral:
1. por natureza, os seres humanos aspiram ao bem e à felicidade, que só podem
ser alcançados pela conduta virtuosa;
2. a virtude é uma força interior do caráter, que consiste na consciência do bem e
na conduta definida pela vontade guiada pela razão, pois cabe a esta última o
controle sobre instintos e impulsos irracionais descontrolados que existem na
natureza de todo ser humano;
3. a conduta ética é aquela na qual o agente sabe o que está e o que não está em
seu poder realizar, referindo-se, portanto, ao que é possível e desejável para um
ser humano. Saber o que está em nosso poder significa, principalmente, não se
deixar arrastar pelas circunstâncias, nem pelos instintos, nem por uma vontade
alheia, mas afirmar nossa independência e nossa capacidade de
autodeterminação.
O sujeito ético ou moral não se submete aos acasos da sorte, à vontade e aos
desejos de um outro, à tirania das paixões, mas obedece apenas à sua consciência
– que conhece o bem e as virtudes – e à sua vontade racional – que conhece os
meios adequados para chegar aos fins morais. A busca do bem e da felicidade são
a essência da vida ética."